Projeto Mural de História da SBI: Depoimento sobre o pesquisador Wilmar Dias da Silva

Em comemoração aos seus 50 anos, a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) convida a todos que estiveram presentes na história da Sociedade, seja desde a criação da instituição ou mais recentemente, para contribuir com o projeto de Mural de História da SBI: uma coleção de vídeos, textos e fotos dedicada a reunir e armazenar relatos enviados por associados, onde podem contar suas experiências pessoais e vivências junto à SBI e com a imunologia no Brasil.

Confira abaixo o depoimento sobre o Prof. Dr. Wilmar Dias da Silva que a pesquisadora Ana Paula Junqueira-Kipnis (Universidade Federal de Goiás) escreveu a convite da Regional Centro-Oeste.

Você também pode ajudar a eternizar a história da imunologia e da SBI! Se você foi aluno do professor Wilmar ou colaborador em seu grupo de pesquisa, envie o seu depoimento, foto ou vídeo para sbicomunicacao@gmail.com.

Dr. Wilmar Dias da Silva

Por: Ana Paula Junqueira-Kipnis (Universidade Federal de Goiás) – Regional Centro-oeste da SBI

Falar do Wilmar para mim, é sempre com prazer e com reconhecimento, pois sua dedicação ininterrupta à pesquisa com sua intuição e abordagem meticulosa aos problemas ou hipóteses impostas, fazem com que qualquer um que tenha tido a oportunidade de ser orientado por ele, se sinta bem orientado, conduzido e empolgado com o caminho da ciência. No meu caso existe claramente um conflito de interesse: Eu sempre digo a plenos pulmões: Meu sogro é membro da Academia Brasileira de Ciências e recebeu a comenda do Mérito Científico Nacional. [orgulho explícito e transparente]. Decidi escrever sobre a minha percepção, o que mais guardei das histórias que ouvi dele ou que vivenciei do que repetir o que todos podem encontrar nos sites da imunologia-USP ou da Academia Brasileira de Ciências.

Dr. Wilmar Dias da Silva Foto: Reprodução USP

Antes de se formar como médico veterinário na Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, hoje UFV, morou em Barbacena, interior de Minas Gerais, onde no ápice de sua adolescência decidiu que iria morar sozinho e morar em uma escola técnica rural. Como excelente aluno e disposto a entrar em uma universidade, terminava os estudos diários com tarefas de um professor que o ajudou a completar as disciplinas que faltavam no ensino técnico para que pudesse fazer uma prova e ingressar em uma faculdade. Aqui, eu já gostaria de pontuar a determinação do então adolescente que ainda apresenta um distúrbio neurobiológico da fluência da fala, que gerou várias situações de bullying que foram superadas com eficiência e notas excelentes. 

Fez pós-graduação em Fisiologia Celular na Universidade de São Paulo sob orientação do Dr Ivan Mota, obtendo seu título de doutor em 1960. Desde essa época passou a se dedicar integralmente à vida acadêmica. Primeiro em Minas Gerais, depois São Paulo e Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro. Aqui em seus relatos, ele sempre recorda a dificuldade enfrentada para ministrar as aulas e o grande esforço para encontrar palavras alternativas que às vezes não apareciam no momento da aula, mas todas as vezes em que fala sobre o assunto, demonstra o apreço pelas pessoas que acreditaram em sua capacidade de superação. Também vale ressaltar a carta que o Dr Wilmar escreveu para o programa Jô Soares, quando em um de seus shows, Jô Soares decidiu fazer piadas que abordavam a situação do distúrbio neurobiológico da fluência da fala. Sua carta foi decisiva para definir critérios para evitar capacitismo em programas de TV.  

Em todas as universidades e institutos que passou, deixou laboratórios montados, em pleno funcionamento e recursos humanos treinados para dar continuidade ao trabalho iniciado por ele e nuclear novos grupos de pesquisa. O professor Wilmar fundou o Departamento de Imunologia da USP e foi crucial para que a disciplina de Imunologia fosse desmembrada da de microbiologia no Brasil, abrindo as portas para que a Imunologia crescesse e que diversos pesquisadores se unissem para que a Imunologia se torna-se ciência forte e de base científica.

                                         Curso de Imunopatologia em Goiânia (1993)

Foi co-autor junto com o Prof. Otto Bier do primeiro livro teórico de Imunologia em língua portuguesa e do primeiro e único livro de técnicas imunológicas também em 1970. Segundo seu relato, os pesquisadores queriam se aventurar e executar técnicas que desvendassem as respostas imunes, mas não tinham clareza em como reproduzir os achados publicados, uma vez que faltavam detalhes cruciais de execução. Esse livro histórico tenho e carrego comigo, assinado pelo Prof Wilmar com dedicatória para o Prof. Otto Bier. O livro tem protocolos bem interessantes e figuras, muitas vezes desenhadas, por exemplo, de como verificar os mastócitos desgranulando após a sua purificação ou uma foto do próprio antebraço do Dr. Wilmar, após a aplicação do teste intradérmico para tuberculose (tuberculina) para demonstrar os diferentes aspectos da reação.

Primeira página do livro lançado em 1970

Também em seus relatos mais empolgados, o Dr. Wilmar conta como persuadiu o diretor do ICB da USP para ocupar um espaço ainda não terminado do Hospital das Clínicas e que passou a ser chamado de Instituto de Ciências Biomédicas 4 (ICB-4), literalmente no porão. Alguns anos mais tarde, junto com a Dra. Thereza Kipnis e outros pesquisadores, fundou a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e começaram juntos a organizar encontros científicos que culminaram com os Congressos de Imunologia, que inicialmente ocorriam no Hotel Glória em Caxambu, MG. Em geral, com pouco ou nenhum financiamento, seus filhos (enteados) atuavam como secretários, organizadores de mesas, etc junto com os alunos de pós-graduação.

Dentre as inúmeras contribuições para a imunologia, está a descoberta do C3a, anafilaxina, importante mediadora dos mecanismos iniciais da inflamação. Um dia pedi ao Wilmar que me contasse como poderia ser possível que sem conhecimento de genoma, sem ter certeza das moléculas purificadas, apenas olhando géis, se conseguiu definir a cascata de ativação do complemento, e ainda procurar por uma molécula tão pequena quanto o C3a e hipotetizar que ela teria uma ação crucial. Com uma risada e com os olhos brilhando, me contou que durante seu pós-doutoramento em Cleveland, Ohio, Estados Unidos, participou da purificação de vários componentes do complemento e das várias tentativas de uni-los em ordem sequencial até que gerassem a ação final que era observada em um fragmento de intestino que se contraia apenas quando as proteínas eram adicionadas a reação, em uma determinada ordem. {detalhe: não sei de qual animal e nem como eram coletados ou mantidos durante o experimento}. Durante esse trabalho observacional, percebeu que inicialmente, havia uma pequena contração que lhe chamou atenção e ele decidiu averiguar de qual molécula do Complemento partia, purificou e provou a sua função.

Encontrei com o Prof. Wilmar pela primeira vez em 1988, nessa época já havia se aposentado do cargo de Professor Titular em Imunologia na Universidade de São Paulo, e atuava como liderança científica do Instituto Butantan. Nessa época estava montando o Laboratório de Imunoquímica no IB. Fiquei impressionada com o discurso pontual, inquisitivo e ao mesmo tempo entusiasmado com os problemas a serem resolvidos cientificamente no IB que na época era presidido pelo Dr. Isaias Raw. Quando abriu um edital para bolsista da FUNDAPE para trabalhar com ele, decidi que iria estudar para ter essa oportunidade de trabalhar com um cientista. Assim desde 1989 quando trabalhei com ele, minha vida mudou.

                     Ana Paula Junqueira-Kipnis e Wilmar Dias da Silva no Keystone Symposium em Taos – New Mexico (2003)

Eu era a única pessoa que trabalhava na bancada de seu Laboratório de Imunoquímica (que privilégio) e tive a tarefa de padronizar um ensaio de ELISA, pois iríamos vacinar cavalos com vírus rábico atenuado e iríamos tentar modificar a técnica de purificação do soro antirrábico de modo a produzir preferencialmente IgGT, principal imunoglobulina do soro de cavalo com habilidade neutralizante. Todos os dias pela manhã, Prof. Wilmar repassava os protocolos do que eu iria fazer e ensinava com cuidado o motivo de cada reagente para cada reação e o que poderíamos esperar como resultado. Só que para uma pessoa inexperiente como eu era, o final do dia significava um medo, pois todos os dias às 17h, o Prof Wilmar vinha na minha bancada para checar os resultados e o protocolo e a frase era – Ana Paula em que pé estamos? Eu já ficava tremendo, pois vários acidentes ocorriam: derrubar o tubo contendo a IgGT depois de uma semana passando em colunas de cromatografia de 1 metro (manualmente) dentre muitas outras falhas….. Claro que eu era advertida e eu começava novamente o experimento. Quando o protocolo não funcionava, o Prof Wilmar largava todos os compromissos e ia fazer o experimento comigo na bancada para descobrirmos juntos, onde eu poderia estar errando ou onde o protocolo poderia melhorar. Ter começado a fazer ciência assim moldou a maneira de como eu atuo na bancada e na orientação dos alunos que passaram pelo meu Laboratório. No entanto, tenho certeza de que nunca consegui atingir a capacidade de explicação ou a sapiência do Wilmar, pois o estudo diário de imunologia, histologia, grego, latim e cálculo correm em suas veias.

Tive também o privilégio de o acompanhar quando recebeu a medalha de honra do mérito científico nacional em Brasília. Chorei de emoção quando fomos ao Palácio do Planalto {e choro hoje ao lembrar}. 

Vou falar agora do meu sogro. Wilmar é uma pessoa boa que se preocupa com a formação de seus alunos e os acompanha pela vida toda e torce por eles. Wilmar como sogro é atencioso e é muito querido por todos os netos. Torce e vibra por cada pequena conquista de seus filhos e noras (aqui entro eu). Tudo o que conquisto quero contar para ele, e sempre vejo em seus olhos a alegria e o respeito que tem por mim e pelo que faço. Todas as etapas importantes da minha vida, saiu de seu conforto e veio me acompanhar. Por isso vou ser sempre grata.

                             Wilmar e seus netos mais velhos: Tomás, Beatriz e Vitória.

Vive sozinho há 14 anos, desde que sua esposa, Thereza Liberman Kipnis morreu de um câncer raro e fulminante. Sua casa é extremamente organizada e sua alimentação equilibrada. Toma banho frio mesmo no inverno, não bebe ou fuma. Vai a feira e supermercado toda semana, escolher pessoalmente o seu salmão e as suas castanhas. Faz exercícios várias vezes por semana, continua trabalhando como liderança científica no IB e é orientador de pós-graduação, e pelo menos uma vez por semana vai de metrô ao Instituto Butantan. Wilmar lê todos os dias artigos científicos e ultimamente tem lido e estudado cálculo e têm se deliciado em entender como os matemáticos chegaram às fórmulas que explicam muitas funções da natureza. Tudo isso ouvindo uma ária, um tango ou uma música clássica executada por bons profissionais. Não gosta de ter internet em casa para ter seu tempo só para ele.

                                Wilmar Dias com Thereza Liberman Kipnis e a neta Beatriz

Espero que eu tenha animado os leitores a conhecer mais sobre seus artigos e atividade científica do Dr Wilmar Dias da Silva: 

Prof. Dr. Wilmar Dias da Silva | Programa de Pós-Graduação em Imunologia (usp.br)

Wilmar Dias da Silva – ABC

Wilmar Dias da Silva – Biblioteca Virtual da FAPESP

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